I - o corpo de Deus
no primeiro ato da vida
a primeira dança
a fermentação dos caminhos
na ponte para mais adiante
Eu lembro o sorriso, e os teus anjos te olhando de lado,
Eu lembro a cor da chama
A neblina em volta quando éramos calados
Já não sei se acordo de mim e sonho ser outro eu
Estava escuro ainda quando saí,
E agora eu consigo ver quantos passos até aí
Os pássaros já fazem revoada dentro de nós,
A vontade volúpia de existir e se espalhar
É desejo de ser semente e saudade da terra quente
As brincadeiras permanecem jogadas no meu quintal
A cantiga cirandeia cheia agora de frutos novos
Que nem sabemos colher
No solo de nós água corre e nos revela
Nossa nascente em memória d'água
Carrega mais histórias do que vivemos
Somos através, e isto basta,
Alcança mais longe o pássaro nos olhos
Sementeira viva, a mão toca ligeira suave e deixa-se soltar
Leves, alcançaremos assim um outro lado do outro lado
Através da porta sem porta
Sairemos para dentro de nós e acordaremos de estar acordados
Ainda será cedo lá onde não se ouve o galo cantar
O despertar para perto de mim é sempre cair,
Pular sobre o ar que circunda a luz dentro do olho
E esquecer até que se sabe falar
e afogar palavras dentro do esquecimento
E, meu amor, se não és capaz de ouvir estrelas,
Que canção há de nos tocar a pele?
(Você cantarola baixo quase sem perceber)
É amor o que move as estrelas,
Montanhas, pensamentos,
a saudade de não se sabe o quê
Bendita seja a maldita paixão
Que arrasta a carruagem dos tolos
Correnteza que movimenta o sol
Cavalos indomáveis afora em campos e desejo
Meu coração mendigava antes da chuva
Na praça onde mora hoje se deleita abandonado à sua farta pobreza.
Que o amor chega em boa hora, desperta os sentidos,
E parte sem falar palavra.
O amor cósmico também abraça o horror,
Repercute no infinito, e volta para guiar os cegos,
Transforma o rebanho as ovelhas em pessoas
E distribui novos nomes às ruínas
O amor cósmico também lida feroz,
Doloroso é ouvir seu nome,
Seu peso pode esmagar as incertezas,
Ensurdecedor é o seu grito austero
Mais adiante, o amor cósmico liberta todos os nomes
Se alia ao carrasco para possuir a machada
E vinga-se, no momento crucial, a vida encara
a morte, o salto final, um começo fechado dentro do irreconhecível
o amor cósmico lidera revoluções invisíveis
em nome da espécie, seu jugo chama o espaço
transforma por dor, em operações alquímicas,
tritura o homem e o libera no vazio de seu espírito...
venha, há sempre uma cadeira te esperando em minha mesa
este banquete, é a ceia onde eu reconheço meus mortos,
minha família, a humanidade, se digladia noite e dia
por um pão sem sabor, com o sal da terra e as pedras na boca,
e a fome proeminente nos caninos insaciavelmente mordendo
embutidos em suas couraças
antes de se transformar em destino, escreve um’outra história
e adiciona três quartos de sangue a um terço de compreensão
e assim forma um espantalho onde a tempestade sopra vida e caos
há um profeta mudo que sabe a medida que aparecerá à luz do dia
quando chegar o dia, quando todos puderem voltar para casa,
com seus peixes, seus esqueletos sensibilizados pela derrota,
procurarão então uma nova rota
onde caminhar para dentro do futuro
Então, olharei com outros olhos a minha criação
E darei boas-vindas à carne cansada e seus sonhos pesados
trazidos de longas viagens
E acolherei em companhia os recém-acordados que se achegarem ao meu pomar
Ah (suspiro), é tão difícil ser um
Os pesos, a balança, a jornada
Eu consigo enxergar, agora,
A luz de fogo dentro do ciclo que se encerra
Eu semeei a brisa e colhi com o orvalho no rosto
E acolherei em companhia os recém-acordados que se achegarem ao meu pomar
Ah (suspiro), é tão difícil ser um
Os pesos, a balança, a jornada
Eu consigo enxergar, agora,
A luz de fogo dentro do ciclo que se encerra
Eu semeei a brisa e colhi com o orvalho no rosto
Tiago Abreu