sábado, 23 de abril de 2011

A Gruta na Lagoa


Ela se levantou, livrou-se das perguntas sem resposta, e caminhou rumo ao esconderijo. Guardou as jóias no poço, e despediu-se dos mantos da Santa. Deixava já a casa, quando um vento forte levou seu chapéu. E ela agradeceu à tempestade de areia que veio depois da ceia, pois encontrara finalmente a cabana dos sonhos abandonados.

Lá chegando, havia poeira e terra envolta de toda parte - de palhas era o telhado; olhara pelos buracos da porta de madeira, apenas frestas de luz clareavam raios através da fumaça que saía do forno de lenha. Madalena empurrara levemente a porta de pau - um rangido antigo - “entra, Lena”, disse a Velha.

Os brancos pés de Madalena pisaram o chão de terra batida, e foram repousar sobre o tapete de pele de cabra. “Vem, deita-te”. A moça pousou na rede de lãs vermelhas e brancas entretecidas em linha, e expirou. A Velha disse: “Agora, irás viajar. A rede irá te levar para a casa antiga, onde és ainda uma criança. Fecha teus olhos, olha para trás...”

A Velha então se levantou, balançou-a, e com um folha de bananeira abanou sobre a moça, um pássaro pousou na corda da rede e soprou um breve canto, e voou de volta pela fresta por onde entrara.

Madalena agora voava sobre o Jardim onde ao som das quedas d’água as crianças cantavam, sobrevoou o leito de seus pais no momento de sua concepção; havia frutas no pomar, flores enfeitavam a mesa; uma roupa branca manchada de sangue debaixo de grãos de trigo. Ela chegara até o lago onde avistara um ser emergindo, tinha seios de mulher e cauda de peixe. Eis que de repente, do outro lado das águas, surgiu das profundezas do lago um Cavalo-Marinho com coroa de rei e lançou seu cetro no peito da mulher-peixe, erguendo-a ao céu; surgiu repentino um raio e a atingiu, transformando-a numa pérola. O Cavalo-Marinho então, tomou-a e retornou para o fundo do lago. Madalena o seguiu, mergulhou ao fundo do lago até chegar na Grande-Concha, morada de Eúryat, o Rei do Lago; ela sabia que se entrasse pela Porta de Ostra do Castelo sublacustre, a Ostra se fecharia e ela jamais tornaria a ver a Terra de dia, condenada a ser guardiã da pérola – sabe-se que a pérola escondida é que faz a luz brilhar na Terra, o Sol procura todos os dias a pérola, iluminando para encontrá-la, e se ele a encontrasse, nunca mais a luz brilharia por aqui – e Madalena só poderia andar na terra durante a Noite, enquanto o Grande Astro procura em outras terras sua amada, sendo que ao aproximar do raiar do Dia o forte grito do Espaço a faria retornar para guardar Cáyaf Yátalaf – este era o nome da pérola.

E Madalena adentrou, acreditando poder resgatar Cáyaf das profundezas. Lá tudo era silencioso verde azulado escuro. A Concha se fechara atrás dela, à frente um caminho de plantas subaquáticas amarelas levava até um buraco no fundo-de-lago, de onde saía um jorro de bolhas de ar. Ali Madalena entrou em uma bolha, respirou, e a bolha a foi conduzindo lentamente até a Gruta dos Tesouros. Lá na entrada havia duas pirâmides de cristal azul, onde estava gravada a História do Mundo, o Passado e o Futuro.
Lena pensara que, se pudesse ver dentro da gruta, onde estava guardado o futuro, ela saberia se o Sol um dia iria encontrar Yátalaf, a pérola, e abandonar a Terra. Então ela desceu da bolha, pôs os pés na areia, e indagou à Sereia-d’Esmeralda, a Rainha do Lago, se, sua busca teria fim. Esmeralda falou assim: “Ah, Moça Madalena, és ainda tão pequena, e já ousas tocar o que não te destina, sem cumprir assim a tua breve sina – ouça a voz das Águas Frias - o que pode ser mudado não está escrito em profecias”.
Madalena de novo navegou dentro da bolha, e viu passar sua vida, e cada Concha que ela jogara no lago quando menina, com um pedido, passava diante de seus olhos, já sem lembranças. Ela ouviu o canto das sereias. Era noite, a Concha se abriu na Porta de Ostra do Castelo-Fundo no Lago. Ela fora caminhar na Terra.

Desperta agora Madalena de novo na rede, nua e molhada de sonhos, no Casebre da Velha, um pássaro cantou lá fora, a fumaça do fogão de lenha subia atravessada dos raios de luz que entravam pelas frestas. A rede enfim cessou seu balanço. A Velha soprara a brasa, e dera de beber o Chá do Silêncio a Lena. Havia milho para comer.
Tiago Eric de Abreu

Diamantina - MG - 23-04-2011